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Mensagens

Fui tudo o que consegui ser.

  Sou pedra de tanto que me construí, sou água de tanto que me deixei levar, sou estaca de tanto que me reergui e sou mel de tanto que amei. Sou tudo o que consegui ser. Uns dias fui tudo , noutros nem existi . Tanta fortuna amealhei, esta abundância desmedida de vida, de perda e vazio, de coragem cheia de esperança. Por todos os ásperos capítulos, eu já me perdoei .  A paz interior instala-se devagarinho naquele que faz as pazes consigo mesmo, naquele que aceita tudo como seu, mesmo o mau, porque mesmo o mau traz sempre algum bem. Basta procurar .

Dez anos depois.

Papá, estamos a viver uma pandemia.  Estou dentro de casa há vinte dias. Já senti tudo, papá! Medo, tristeza, pânico, saudade. Já precisei de contar de forma decrescente dos vinte aos zero, algumas vezes. Na verdade, mais vezes do que aquelas que julguei precisar. Ao fim de uma longa e forçada semana em casa, saí à rua pela primeira vez, por poucos minutos, para ir à padaria. A rua estava praticamente vazia, ouvia-se cada nota de um silêncio perturbador e difícil de explicar, o ar parecia suspenso, ameaçador. As poucas pessoas que vi, de rosto escondido numa máscara, não se olhavam de frente, os seus olhos fugiam dos olhos dos seus semelhantes. Estranhamente parecia que ninguém se queria encarar. Já é difícil não partilhar alegria, para quê fazer questão de partilhar tristeza? A padaria parece um cenário de guerra, com barreiras que nos impedem de chegar ao balcão ou às mesas, com paredes de acrílico mal-amanhadas a separar quem quer pão de quem o quer vend...

Mãe de adolescente

Ser mãe de adolescente é ser convocada, não quando se quer, mas quando menos se espera; é oferecer os cromos do Lidl à criança atrás de nós na fila do supermercado, porque lá em casa o seu único destino seria o caixote do lixo;   é intuir que a nossa gaveta da maquiagem foi assaltada silenciosamente; é agonizar com a música da Bershka e sentir uma saudade nostálgica das idas aos ToysR’us, daquelas repletas de pedinchices, puzzles didácticos, amuos, beicinhos e barbies de pochete e tacão alto. Ser mãe de adolescente é sentir-se claramente a mais na friendzone , é perceber que a boleia de carro é substituída com preferência evidente por uma viagem de metro rodeada de amigos; é esforçar-se por entender o dialecto adoptado pela criatura que agora habita lá em casa, sem se sentir o sistema nervoso central a colapsar; é perceber quando tem de recuar porque o mau humor se instalou e quando tem de se aproximar porque o barco do amor atracou e desfrutar do desembarque o mais que c...

Residência alternada, amor permanente.

Quando apenas 182,5 dias do ano são contigo, metade da minha vida fica suspensa, à tua espera, durante outros longos e intermináveis 182,5 dias. Por amor abdico , contas feitas, de cinquenta por cento, para que vivas um pai e uma mãe, por inteiro, na percentagem total que te é devida.  Na matemática da vida, por não te ser justo subtrair, prefiro somar-te , dar-te o que é teu por direito à nascença, multiplicar-te momentos, afetos, casas, gente, partilhas, rotinas. Se para ti procuro somas e multiplicações, reservo para mim as subtrações e divisões.  Se isto não é amor, digam-me o que é! Sempre odiei matemática, temia talvez a dureza das equações da vida adulta. Dez anos depois, és claramente a expertise-de-como-viver-e-amar-em-dobro. Só eu sei e sinto, como precisas dessas duas metades para seres inteira, como absorveste dois lares e cada idiossincrasia de cada coração que te rodeia. Ainda assim, a cada sexta-feira da troca de ninho, ainda hoje a sinto como se fosse a...

A vida aos 40: podiam ter avisado!

Entrei nos 40 com o mesmo espírito da festa de aniversário, onde nada faltou incluindo os ternurentos balões dourados em forma de quatro e zero e a faixa de Miss Forty & Sexy . Despreocupada, em harmonia com o meu reflexo no espelho e principalmente grata pelo caminho até ali, dancei e ri como há muito tempo não fazia. Tudo vivido na melhor companhia. Para a posteridade ficaram as fotografias que registaram a festa. Eu até mostrava, mas ficaram tremidas, se é que me entendem! Tranquila pelo que viria lá fui recebendo as novidades dos entas sem perder a calma. A carta da seguradora informava com paninhos quentes que o seguro de saúde iria aumentar duzentos euros por ano. Só duzentos! Respirei fundo. Na verdade, respirar (pelo menos pelo nariz) também já não anda a ser fácil. Que o digam as visitas ao otorrinolaringologista, os exames complementares aos seios perinasais e os sprays enfiados nas narinas religiosamente às horas recomendadas. Tenham calma. I...

Recados nas paredes de Tomar.

Tomar, 2018 Quando uma cidade nos pede para lermos as suas paredes, quer ter a certeza que partiremos diferentes do que chegamos. E quantas casas com gente, vazias de tudo? É sempre mais fácil apontar o dedo no plural; distrais o outro do teu singular. Só serás manipulado no dia em que largas o traje e vestes o fato e a gravata. Poesia: se não a percebes por onde passas, terás de a comprar.                                 Nada nem ninguém é perfeito, nem mesmo aquilo ou quem nos ensina.

Postits para o frigorífico.

Todo o patinho feio tem uma história para contar. Quando essa história é uma lição de vida, não há ganso, por mais belo que seja, capaz de a superar. Andamos cheios de pressa para chegar a lado nenhum. A ideia não era chegar a nenhum lado, era só desfrutar do caminho. Às vezes o ponto de partida é só um ponto de vista diferente. Essa nova vista, na maioria das vezes, está onde menos se espera. Na vida nem tudo se procura, encontra-se. Bem hajam os sortudos que pararam para olhar pela janela certa.