O exercício imaginativo do nosso próprio funeral pode ser um episódio hilariante ou aterrador.
Ao imaginá-lo, ainda podemos ser nós a decidi-lo. E se calhar mais vale morrer satisfeito, ainda que ilusoriamente satisfeito.
E com esta curiosidade maquiavélica lá começo a imaginar. Ora aqui está um belo programa de sábado à noite, a desfrutar da minha companhia insana!
O cenário pouco importa, nesta altura a decoração floral ou os altares talhados a ouro são apenas pormenores invisíveis aos olhos de quem apenas quer perceber o seu significado em vida.
É isto. Só imaginamos o nosso funeral porque queremos perceber o que fomos em vida, quem tocamos, a quem fomos indiferentes, ou quem nos puderá surpreender no ultimo leito.
E então? Não temos direito a estas interrogações? Nao deveríamos partir com certezas?
Não é justo que no fim de tantas batalhas, tantas lutas, loucuras, decepções, indiferenças e amores ou falta deles, possamos levar connosco a certeza clara do que valeu e do que não valeu a pena?
E se não aparecer ninguém?
Casa mortuária vazia. Um carro. Um caminho silencioso até à ultima morada. Nao se ouvem lágrimas, apenas uma cova, uma pá, um padre e um cangalheiro. Fim.
A sério? Ninguém veio! Ninguém deu pela minha falta? É natural. Há que tempos não procurava ninguém. Há que tempos deixara de ter paciência para convívios. Há que tempos deixara de querer saber dos outros porque afinal já ninguém queria saber de mim. É natural que nao tenham vindo. Melhor assim. Ninguém sofre.
E se aparecerem só alguns? Poucos, apenas os prováveis.
Os suficientes para mostrar que afinal ainda toquei alguns corações, fiz sorrir uns e chorar outros.
Neste núcleo, nem nos atrevemos a imaginar que os nossos pais farão parte da assistência. Não aguentaríamos vê-los sofrer. Preferimos a natureza menos de cruel de eles partirem primeiro, ainda que isto de menos cruel pouco tenha.
Desejamos que os nossos filhos assistam, mas apenas como adultos. Fortes, encaminhados, seguros, acompanhados, cheios de lembranças nossas e a transbordar coragem para o caminho que se segue.
Escusado será dizer que, neste dia, temos o nosso cônjuge debaixo de olho!
Ai de ti que não chores como um bébé, ai de mim que não te veja desolado, ai de nós se a nossa vida não valeu a pena e que para nenhum de nós não valha a pena continuar, agora sós, seja lá onde for.
A imagem de todos vestidos de branco é sem duvida mais airosa, mas nao quero, obrigada. Há quem goste, por entender que, no verdadeiro sentido da palavra, vamos mesmo desta para melhor, e por isso, devemos encarar a partida com a leveza da luz.
Obrigada na mesma, mas não. É que eu nao sei mesmo para onde vou e pelo menos prefiro ir com a certeza que vos vou fazer falta e nem vos quero imaginar sem o semblante negro de quem sofre, a beber espumante e a dançar a dança da chuva ao som de batuques africanos enquanto vestidos bancos esvoaçam. Perdoem-me, mas para mim é importante partir com a certeza que, pelos menos, para vocês, fui importante. Esta jornada é longa demais para não valer a pena.
Quando o enterro termina e a pá inicia o transbordo da terra que para sempre ficará em cima de nós é o fim.
O nosso fim.
Acabou.
Não teremos que sentir mais nada, de suportar mais nada, de viver mais nada.
Aceito isto sem dificuldade...mas será que, quando todos vestidos de negro, virarem as costas ao cemitério e seguirem em frente com as vossas vidas, eu não vou morrer de saudades...?
Adorei a forma como abordas este tema, tão evitado e assustador para a maioria!! É mesmo assim, já deu por mim a pensar exatamente nisto!
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