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Ser mãe ou amiga?



O tema inquieta-me, porque me deixa vulnerável perante a possibilidade de estar a fazer tudo errado. Fico aflita, no sentido mais aflito da palavra porque temo as consequências de tudo o que fiz errado puderem tornar derradeiro um final infeliz e irrecuperável.


Se calhar, se pudesse recomeçar bem lá no início da maternidade deveria fazer tudo diferente. Se calhar devia, mas temo, com toda a certeza, que seria incapaz. 


Não me querendo desculpar mas aproveitando para me justificar, pertenço à geração X, ainda que do fim da mesma (1978), isto é, aquela que roça os Millennium’s. Aquela geração que jamais se repetirá, dizem os saudosistas. 


Nascemos na era analógica mas fomos suficientemente inteligentes para aprender o digital. 

Vivemos muito perto do abismo, sem cadeirinhas de bebé isofix ou cintos de segurança automóvel. 

Saíamos de casa de manhã e voltávamos ao fim do dia, sem que os nossos pais sentissem necessidade de nos reportar à PSP como desaparecidos

Escrevíamos cartas à mão uns aos outros quase à mesma velocidade com que hoje mandamos emails. 

Tínhamos os amigos da escola, os amigos do bairro e os amigos de férias que arranjávamos nos parques de campismo ou em hotéis para os mais abonados. Estes, raramente voltávamos a ver, talvez ainda enviássemos uma ou outra carta, se valesse a pena. 

Hoje, somamos centenas de amigos no Facebook e no Instagram, ou seguidores em bando no TikTok sem precisar de ajuda da geração seguinte. 


Encontro nestes detalhes o perigo de uma criação ao ar livre sem controlo ou vigilância, hoje em dia claramente desaconselhada por psicólogos, pedopsiquiatras e os temidos assistentes da CPCJ. 


Somos a geração incapaz de transportar bebés sem cadeiras homologadas pela CE, sem a coragem da modernize da localização partilhada. 

Somos a geração que escolheu brincar, conversar e até dormir com os nossos filhos, quando eles não sossegavam sem companhia. Isto de termos ido sozinhos para a cama todos os dias depois de ouvirmos o Vitinho na RTP1, deixou marcas profundas na nossa autonomia e nas nossas soft skills, aprendidas à força. 

O meu pai nunca montou um puzzle comigo e a minha mãe nunca brincou comigo às Barbies ou às Nancy’s. Não havia tempo, o trabalho vinha sempre em primeiro lugar. 


A distância que nos separava dos adultos fazia parte, nada a estranhar. Aceitava-se. Ponto final parágrafo. 


Não me darei ao trabalho de analisar os motivos que nos levaram a praticar esta maternidade (e paternidade) da condescendência e da proximidade tão distinta da que nos calhou na sopa. Na verdade, esta proximidade, por vezes mesmo sem filtros, uniu-me à minha filha de uma forma que jamais consegui fazê-lo com a minha mãe. 

Minto, consegui fazê-lo já adulta e hoje não tenho dúvidas que a minha melhor amiga é a minha mãe. Nunca como hoje, fez tanto sentido a premissa - só há uma mulher no mundo que fique verdadeiramente feliz com a tua felicidade: a tua mãe. (Mas isso é outro tema de conversa que merece uma crónica à parte)

Para a minha filha, escolhi ser isso desde o seu primeiro dia de vida. Escolhi porque a vida me permitiu, devo ser honesta.

Eu sei que ela me agradece por isso como também sei que outras miúdas não tiveram essa sorte, e que a minha filha é a primeira a reconhecer a sorte que tem. Porém, não escondo o medo que tenho desta escolha que fiz, de esta ter sido, qui çá, a minha atitude mais irresponsável na criação de um filho. 

Quando ouço pessoas que admiro, ponho tudo em causa. Num exemplo recente, Helena Sacadura Cabral, num podcast exclamou com todas as letras “Eu não sou amiga dos meus filhos, eu sou a mãe!” Contou também o episódio em que um dos seus filhos lhe diz quando a vê chorar por alguém que não era merecedor dessas lágrimas “ Ó mãe, por favor, não me faça perder o respeito por si! Não se chora por quem não merece“. 


Terei eu sido capaz de me dar ao respeito perante a minha filha, mesmo assumindo o meu papel de amiga? 

Saberá ela, de todas as vezes que chorei sozinha ou escondida? 

Saberá ela que em todas as vezes que arregacei as mangas sem medos para enfrentar os demónios com que me cruzei, chorei baba e ranho imediatamente antes ou depois do combate?


Em poucos meses, terei uma filha com 20 anos, e quer queiram quer não, ela já me provou que é tão forte como a geração X, a famosa geração desenrascada. 


Sem modéstia, admito que falhei com toda a certeza, em muita coisa. Mas acredito que também terei feito algumas coisas certas, principalmente, quando a minha filha me diz que sou a pessoa mais forte que conhece, e que a sua força vem de mim. 


Posso ter falhado na construção da autoridade mas convenhamos que brilhei na construção dos valores. 

Sem modéstia. Ponto final parágrafo.





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