Avançar para o conteúdo principal

Só os fortes desistem.


Ao contrário daquilo que nos dizem desde pequeninos, desistir não é o mais fácil.

É o mais difícil e não é para todos!

Nos tempos em que passávamos horas sentados na carteira da escola e ainda mal chegávamos com os pés ao chão, ouvíamos adultos discursar sobre os mais fortes, os tais que nunca desistiam, aqueles que persistiam a todo o custo, os valentes que nunca baixavam os braços, porque a bem da verdade, dos fracos não rezava a história.

Fomos somando anos à medida que os pés iam chegando ao chão, fomos ganhando couraça, fomos perdendo as ilusões do tempo da carteira de escola, fomos caminhando, tantas vezes contrariados, tantas vezes desanimados.

Quantos de nós chegamos onde não queríamos? Quantos de nós erramos no caminho? A quantos de nós os planos saíram furados?

Desistir é ter a coragem de não querer mais. Não querer mais um emprego que nos inferniza, não querer mais uma amizade que nos intoxica, não querer mais um casamento que nos amargura.

Desistir é ter a coragem de abandonar o certo, ainda que mau, mas certo. Afinal, a nossa zona de conforto, não é na verdade confortável, é apenas conhecida, sem surpresas e sem segredos.

Desistir é ter a coragem de começar de novo, de perder status, de descer de patamar, de viver com menos, de arcar com as consequências (por vezes eternas), de ter que aprender tudo de novo, de viver na solidão, de perder a companhia, de viver à defesa em terreno que não é mais o nosso, de arcar com as culpas e de ser forte o suficiente para minimizar danos colaterais nos outros.

Desistir é tudo isto. E tudo isto é difícil.

Só desiste quem tentou mas não conseguiu. Só desiste quem vê claramente o que o desgasta, o que o mata lentamente. Só desiste quem se quer salvar.

E todos merecemos a salvação. Todos merecemos viver em paz na nossa melhor versão.

Mas a procura da nossa melhor versão, é caminho íngreme, de perdas e chicotadas.

Desenganem-se, não é para todos! No  final, nem todos tivemos a coragem de lá chegar.


Fotografias by Vânia Rodrigues dos Santos
Exposição Hard Club 
Gerês, 2018
Casa abandonada na Encosta da Caniçada
(No interior ainda restam uma camisa dependurada, loiça em cima da mesa, um lençol em cima da cama. Alguém saiu apressado e nunca mais voltou. Acredito que tenha tido a coragem de ir procurar a sua melhor versão.) 



Comentários

Mensagens populares deste blogue

Residência alternada, amor permanente.

Quando apenas 182,5 dias do ano são contigo, metade da minha vida fica suspensa, à tua espera, durante outros longos e intermináveis 182,5 dias. Por amor abdico , contas feitas, de cinquenta por cento, para que vivas um pai e uma mãe, por inteiro, na percentagem total que te é devida.  Na matemática da vida, por não te ser justo subtrair, prefiro somar-te , dar-te o que é teu por direito à nascença, multiplicar-te momentos, afetos, casas, gente, partilhas, rotinas. Se para ti procuro somas e multiplicações, reservo para mim as subtrações e divisões.  Se isto não é amor, digam-me o que é! Sempre odiei matemática, temia talvez a dureza das equações da vida adulta. Dez anos depois, és claramente a expertise-de-como-viver-e-amar-em-dobro. Só eu sei e sinto, como precisas dessas duas metades para seres inteira, como absorveste dois lares e cada idiossincrasia de cada coração que te rodeia. Ainda assim, a cada sexta-feira da troca de ninho, ainda hoje a sinto como se fosse a...

Mãe de adolescente

Ser mãe de adolescente é ser convocada, não quando se quer, mas quando menos se espera; é oferecer os cromos do Lidl à criança atrás de nós na fila do supermercado, porque lá em casa o seu único destino seria o caixote do lixo;   é intuir que a nossa gaveta da maquiagem foi assaltada silenciosamente; é agonizar com a música da Bershka e sentir uma saudade nostálgica das idas aos ToysR’us, daquelas repletas de pedinchices, puzzles didácticos, amuos, beicinhos e barbies de pochete e tacão alto. Ser mãe de adolescente é sentir-se claramente a mais na friendzone , é perceber que a boleia de carro é substituída com preferência evidente por uma viagem de metro rodeada de amigos; é esforçar-se por entender o dialecto adoptado pela criatura que agora habita lá em casa, sem se sentir o sistema nervoso central a colapsar; é perceber quando tem de recuar porque o mau humor se instalou e quando tem de se aproximar porque o barco do amor atracou e desfrutar do desembarque o mais que c...

Ser mãe ou amiga?

O tema inquieta-me , porque me deixa vulnerável perante a possibilidade de estar a fazer tudo errado. Fico aflita, no sentido mais aflito da palavra porque temo as consequências de tudo o que fiz errado puderem tornar derradeiro um final infeliz e irrecuperável. Se calhar, se pudesse recomeçar bem lá no início da maternidade deveria fazer tudo diferente. Se calhar devia, mas temo, com toda a certeza, que seria incapaz.  Não me querendo desculpar mas aproveitando para me justificar, pertenço à geração X , ainda que do fim da mesma (1978), isto é, aquela que roça os Millennium’s. Aquela geração que jamais se repetirá, dizem os saudosistas.  Nascemos na era analógica mas fomos suficientemente inteligentes para aprender o digital.  Vivemos muito perto do abismo , sem cadeirinhas de bebé isofix ou cintos de segurança automóvel.  Saíamos de casa de manhã e voltávamos ao fim do dia, sem que os nossos pais sentissem necessidade de nos reportar à PSP como desaparecidos ....