Queria dizer-te que também já vivi com o coração em pedaços, que já morei nessa tua nova morada, que já senti o alívio de perder aquilo que já não era meu há muito tempo.
Queria dizer-te que sei quanta coragem reservaste para este futuro.
Queria dizer-te que não estás preparada.
Eu também não estava. Mas o desconhecimento pelo menos não alimenta medos. Melhor assim.
Depois do alívio, virá a liberdade. Depois da liberdade virá a angústia. A seguir a solidão. A descrença. Prepara-te, vais pairar por aqui algum tempo.
Eu queria tanto dizer-te, mas não devo.
Porque nada vai mudar o teu caminho. É teu, só tu podes fazê-lo, caminhando.
Ainda que vás encontrar areias movediças (oh! tantas), queria dizer-te, mas não posso. Não tenho esse direito, de querer adivinhar o teu futuro baseada no meu passado carregado de noites tic-tac e solitários cigarros.
O alívio de não viveres aquilo que já não queres, será o teu motor, a tua brisa de conforto, a luz que, aqui e ali, te trará a esperança em formato de arco-íris.
Agarra-te aí.
Agarra-te bem.
O que virá depois será sempre melhor, ainda que nem sempre a vida te dê razões para acreditar nisso.
Manteres-te de pé, será uma maratona de quenianos, para a qual nunca treinaste. Chegares à meta será uma conquista diária, mas cada dia que passa será menos longo.
Eu queria dizer-te, sem medos, que as sequelas são eternas.
Vais encontrá-las em todas as vezes que apanhares os cacos dos biblôs do passado, em ti e nas tuas crias.
Vais perceber que somos todos desmontáveis, feitos de vidro e metal, sedentos da cola que nos remende, um dia de cada vez.
Vais entender o significado oculto da palavra partilha, (que a sociedade se esqueceu de nos ensinar) cada vez que os teus filhos saírem pela porta, com uma muda de roupa na mochila.
Estas partidas serão sempre amargas, mas só para ti, se Deus quiser.
Não creias que o tempo as aliviará, é mentira.
Mas também é verdade que os regressos te vão fazer esquecer todas as partidas e será este o jogo que manterá vivo o teu coração.
O jogo é para sempre.
Vais sentir-te uma artista de circo, enquanto lutas pelo equilíbrio em cima da corda, bombardeada com todas as perguntas e incertezas. Farás das tripas coração para as esclarecer, com legos, bonecas e abraços.
Vais ser capaz de o fazer sempre, umas vezes disfarçada de palhaço triste, outras de ilusionista.
Vais rir e chorar alternadamente, com uma frequência que nunca imaginaste, ser humanamente possível. Vais acreditar que, afinal és uma máquina.
Eu queria dizer-te que as contas do passado, quando se tem filhos, nunca ficam saldadas.
Nunca.
Mas todos aprenderão a viver com as dívidas, cada um à sua maneira.
Uns serão mais resistentes a saldos negativos, outros irão optar por nunca abrir a carta do banco.
Os dias seguirão. Os anos. A vida.
Um dia estarás diferente, mas tão diferente, que és bem capaz de não te reconhecer.
Quem sabe, com sorte e juízo, estarás forte e serena.
Um dia quando fores a tua melhor companhia, sentirás gratidão pela coragem que te virou do avesso.
Aquela avesso, em que procuravas ser feliz.

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