Não me chocam os divórcios, não me chocam as vidas paralelas, não me chocam as guerras e zangas. Lamento-os apenas.
Choca-me o desinteresse.
Como é possível um casal, que outrora se apaixonou e prometeu amar-se e cuidar-se, um dia desistir da vida a dois e optar por uma soma de dias autistas até que a morte os separe. Sem avisos, sem alertas, sem pedidos de socorro, sem vestir coletes de salvamento.
Choca-me ver duas almas que não comunicam, não se vêem, não se sentem, mesmo quando viajam juntos no mesmo carro, lado a lado, nos mesmos lugares que outrora ocuparam tão distintamente no auge da paixão.
Que choque é ver tantas almas destas. Duas a duas, vagueiam, caminham no mesmo passeio mas cada um deseja um destino diferente. Partilham a mesma mesa num restaurante quando o prato até saberia melhor se estivesse cada um na sua mesa. Falam sem nada dizer um ao outro, melhor dizendo, dão recados ao colega com quem dividem o apartamento, próprios dos afazeres do dia a dia. É o quanto baste. Já nem brigam. Ponto. Partilham a mesma cama numa espécie de bullying matrimonial em que se tiranizam e oprimem mutuamente, impedindo e amedrontando o outro na certeza promíscua que a falta de coragem não permitirá nenhum dos dois ganhar asas.
Choca-me perceber que se habituam a isto.
Os anos a passarem, o desgaste, a falta de novidades, o blá-blá das condicionantes financeiras, a ladainha dos filhos que inequivocamente irão replicar o mesmo casamento oco nas suas vidas ou que na melhor das hipóteses serão adultos profundamente ateus no que respeita à divina instituição que é o matrimonio.
O silêncio ensurdecedor da monotonia a segredar-lhes ao ouvido "o que é que ainda estás aqui a fazer?" Vozes que fingem não ouvir. Mais simples. Menos doloroso.
O silêncio ensurdecedor da monotonia a segredar-lhes ao ouvido "o que é que ainda estás aqui a fazer?" Vozes que fingem não ouvir. Mais simples. Menos doloroso.
Hoje, tenho o ponto de vista de quem vê ao longe. A distância permite-nos enquadrar melhor a imagem e ver o cenário por inteiro. Tristeza nítida, portanto.
Perceber como é profundamente penoso deixar de amar e deixar de deixar-se amar.
Perceber como é profundamente penoso deixar de amar e deixar de deixar-se amar.
E que vontade esta de abanar estas almas, gritar-lhes que "ainda há tempo"!
Choca-me o vazio instalado. A ausência sempre presente de quem está mas não ama. De quem vagueia. De quem paira.
Alguns anos depois, às vezes muitos, ouvem-se as notícias do divórcio. E o mundo entristece-se!
Mas a tristeza tinha que ter sido sentida antes, na maioria das vezes muitos anos antes, no dia em que as almas se desinteressaram perpétuamente. É esse momento que me choca. Só esse.

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