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Mensagens

Prefiro não estar presente no meu funeral!

O exercício imaginativo do nosso próprio funeral pode ser um episódio hilariante ou aterrador. Ao imaginá-lo, ainda podemos ser nós a decidi-lo. E se calhar mais vale morrer satisfeito, ainda que ilusoriamente satisfeito. E com esta curiosidade maquiavélica lá começo a imaginar. Ora aqui está um belo programa de sábado à noite, a desfrutar da minha companhia insana! O cenário pouco importa, nesta altura a decoração floral ou os altares talhados a ouro são apenas pormenores invisíveis aos olhos de quem apenas quer perceber o seu significado em vida. É isto. Só imaginamos o nosso funeral porque queremos perceber o que fomos em vida, quem tocamos, a quem fomos indiferentes, ou quem nos puderá surpreender no ultimo leito. E então? Não temos direito a estas interrogações? Nao deveríamos partir com certezas? Não é justo que no fim de tantas batalhas, tantas lutas, loucuras, decepções, indiferenças e amores ou falta deles, possamos levar connosco a certeza clara do que v...

Nós em Amesterdão. (Ou em qualquer outro lugar)

Fomos à Amesterdão comemorar 1825 dias juntos.  Poderia falar em 5 anos mas prefiro contar cada um dos dias, ou melhor, todos.  Os bons, os maus, os duros, os serenos, os que nunca acabam ou os que nunca deveriam acabar. Internamente, quando nos sentamos na mesa da contabilidade do amor, multiplicamos os dias reais por dois. Ao contrário do que nos diz o calendário os primeiros 2 anos valeram por 4, visto termos atingido o record do Guiness ao estarmos juntos, virtude das circunstâncias da altura, 24 sob 24 horas.  Foi a prova da resistência, foi o alicerce mais bem construído desta vida a dois.  Foi o adubo, que nunca mais separamos do regador e que prometemos encher todos os dias.  Quando descobrimos o amor já bem adultos, depois de perdas e erros, somos mais cautelosos, mais tolerantes, mais maduros.  A bem da verdade, se for mesmo amor, ninguém quer falhar outra vez. Portanto, na verdade fomos à Amesterdão comemorar 2555 dias.  Foi em Amesterdã...

Coragem para ser feliz.

Queria dizer-te que também já vivi com o coração em pedaços, que já morei nessa tua nova morada, que já senti o alívio de perder aquilo que já não era meu há muito tempo. Queria dizer-te que sei quanta coragem reservaste para este futuro.  Queria dizer-te que não estás preparada.  Eu também não estava. Mas o desconhecimento pelo menos não alimenta medos. Melhor assim. Depois do alívio, virá a liberdade. Depois da liberdade virá a angústia. A seguir a solidão. A descrença. Prepara-te, vais pairar por aqui algum tempo. Eu queria tanto dizer-te, mas não devo.  Porque nada vai mudar o teu caminho. É teu, só tu podes fazê-lo, caminhando.  Ainda que vás encontrar areias movediças ( oh! tantas ), queria dizer-te, mas não posso. Não tenho esse direito, de querer adivinhar o teu futuro baseada no meu passado carregado de noites tic-tac e solitários cigarros. O alívio de não viveres aquilo que já não queres, será o teu motor, a tua brisa de conforto, a luz que, aqui e...

Quando o meu dia é uma tourada.

Hoje percebi o que é verdadeiramente um espetáculo de tauromaquia.  Exacto. Foi o meu dia. Até acordar tudo permanecia igual, intacto e pacífico. Meia ensonada olhei o céu, alimentei-me normalmente como um toiro a quem é servido um pequeno almoço dito normal, para um dia normal.  Pobre toiro que nunca sabe para o que vai.   Depois de alimentada fui encaminhada até às imediações da arena. Tudo normal. O céu continuava azul. Em silêncio fui caminhando, devagar como um toiro, ganhando balanço para o dia. Abriu-se a porta. Sim, a dos curros para a arena. Dei uns passos distraídamente. O silêncio unsurdecedor da arena que antecedeu a tourada instalou-se de forma tão mordaz, tão acutilante que apenas mereceu o meu maior fingimento de auto-proteção de que tudo estaria bem. Percebi pelo capote do novilheiro que provavelmente o dia na arena prometia. Cavalos lusitanos, cavaleiros a rigor do alto da sua presunção, arrogância vestida a preceito, posturas de desdém de quem...

Uma família muito moderna.

Enteados. A bem da verdade a língua portuguesa não foi simpática com este laço familiar. Nome sem muita doçura associada tal como tem a palavra "filho", com tamanha carga de afecto e responsabilidade.  É injusto. Os enteados não devem ser menos importantes que os filhos. Devem e serão sempre especiais também, porque a bem dizer são filhos de alguém nosso, apenas não são os nossos.  Mas será feita justiça ao dizermos que não são nossos? Madrastas e padrastos que os receberam na sua vida não são uma peça de lego que se coloca e retira de quinze em quinze dias.  Sejamos honestos, recebê-los como parte da pessoa que amamos (tardiamente achamos nós, porque se tivesse sido mais cedo eles seriam nossos filhos e pudessemos nós mudar isso éramos ainda mais felizes...admitam e deixem-se de tretas!), criar rotinas familiares, estar lá quando choram, quando riem, quando morrem de sono ou morrem de fome, esperar a sua chegada com planos para os dias seguintes, sent...

Eu e tu em Marrocos.

Eu vi o fim do mundo. Ao chegar, Abdhul esperava-nos, sorridente e humilde.  "Salam! parles vous francais? how are You?" Nesta tentativa cosmopolita de nos ouvir, agarrou as malas e voltou à fala inglesa com sotaque de Alá dizendo em modo feliz "Follow me!" Perdi a conta aos passos, perdi a conta as vezes em que que viramos à esquerda, as vezes em que viramos à direita, às crianças descalças, aos burros que puxavam carroças, às motas em ziguezague, às bicicletas carregadas de especiarias e as vezes que Abdhul sorria para nós sem largar o passo acelerado como se quisesse encurtar o fim do mundo até ao Riad.  Era a última porta de uma rua escura, estreita e fresca. Obrigou-nos a olhar e a ler a placa dourada pregada naquela porta de madeira incrivelmente trabalhada "Riad Ambre et Epices, voilà!" Abriu a porta num som de quem abria um cofre e voilà: o fim do mundo acabou! O silêncio e a paz eram a banda sonora de um paraíso de luxo, outrora casa d...

Sabes a sorte que tens?

Sexta-feira, final do dia ainda com sol. O bastante para aquecer o coração. Cansada, com a missão cumprida, embora ligeiramente desapontada com os últimos dias, triste com a natureza humana que as vezes teima em não evoluir, desejosa de voltar a casa e sedenta do meu porto de abrigo. Cheguei  estação, faltavam apenas 9 minutos para entrar no comboio. Foram só 9 minutos, os suficientes para me deixar de coração apertado durante as 3 horas de viagem. Um labrador branco deitado no chão, cativou o meu olhar pelo seu ar doce e sereno.  Em segundos percebi que este anjo da ternura era um guia de uma menina aparentemente tão doce quanto ele.  Ela não  teria mais do que vinte anos, cabelos longos cor de mel, vestia jeans e t-shirt, nas costas uma mochila com um peso visivelmente considerável, na mão direita a trela daquele que parecia ser o seu único amigo, e no rosto, lágrimas. Lágrimas difíceis de controlar que lhe faziam tremer o tronco. Percebi nesse momento a verdadeira...